O padr�o obrigat�rio para troca de informa��es de sa�de suplementar


O tratamento médico pode representar muito mais que uma simples prestação de serviços na atual sistemática estabelecida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Bons tempos em que ir ao médico representava procura de tratamento e cura para os males que nos incomodava. O estabelecimento de uma relação de intimidade, confiança e empatia entre médico e paciente sempre foram os pontos especiais que sem dúvida nos ajudam na busca da cura de muitas moléstias. A atitude de relatar ao médico nossos mais íntimos problemas que muitas vezes não dividimos sequer com nossos parentes ou pessoas mais chegadas parece que está com os dias contados.

No dia 2006 de outubro de 2006, a Agência Nacional de Saúde Complementar- ANS, autarquia criada sob regime especial pela Lei 9.961/2000, a qual dentre as muitas atribuições possui a competência para regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades que garantem a atividade suplementar da saúde, criou o chamado padrão obrigatório para a troca de informações entre operadoras de plano privado de assistência à saúde e prestadores de serviços de saúde sobre os eventos de saúde, realizados em beneficiários de plano privado de assistência à saúde, mais conhecido como TISS. (RN 114 de 26/10/2005)

Antes de entrar na questão sobre o que este padrão TISS representa para o usuário dos planos de saúde em geral, cabe lembrar que entre as várias atribuições da ANS, está o cumprimento da Lei dos planos e seguros privados de assistência à saúde, ou seja, fazer valer os padrões mínimos exigidos para este tipo de prestação de serviços (Lei 9656/98), mas principalmente zelar pela qualidade dos serviços de assistência à saúde no âmbito da assistência à saúde suplementar e buscar a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde atráves de articulações com órgãos de defesa do consumidor. (incisos XXXVI e XXXVII do art.4º da Lei 9.961/2000)

Em resumo, entre as várias atribuições que as Agências Reguladoras criadas pelo Governo em seus vários setores de interesse social ou estratégico, a que parece essencial é a criação de mecanismos para o bem estar da sociedade, regulando a relação entre os prestadores de serviços particulares de relevância pública e seus beneficiados, assim, teoricamente este seria o princípio da ANS, regular esta relação entre os utilizadores das várias modalidades de assistência de saúde, evitando abusos e criando mecanismos que visem a manutenção do bem maior, a vida e a saúde do cidadão.

Com a justificativa de atuar na busca de tornar eficaz suas atribuições, a ANS com a resolução normativa 114, e suas alterações e complementos, ao criar o TISS, buscou tornar rastreável os procedimentos médicos em todo o país, criando uma espécie de banco de dados para avaliação e estabelecimento de condutas.

Por melhor que sejam as intenções e mecanismos criados pela ANS para salvaguardar as informações médicas manipuladas pelos diversos prestadores de serviços de saúde, a obrigatoriedade de informar o código de doenças ou mesmo descrever o diagnóstico do paciente em documentos que devem relacionar diretamente o usuário ao procedimento são questões que ultrapassam a gestão administrativa de simples dados e começam a invadir a esfera individual dos pacientes.

A obrigatoriedade do sigilo médico neste caso, por mais que se estabeleçam "mecanismos" de proteção destas informações, é a primeira prerrogativa violada. Com base nesta observação o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução CFM nº 1.819/2007, a qual proíbe a colocação do diagnóstico codificado (CID) ou tempo de doença no preenchimento das guias da TISS com a identificação do paciente no procedimentos e solicitação de exames para seguradoras e operadoras de planos de saúde.

O esforço do Conselho Federal de Medicina em barrar este procedimento estabelecido pela ANS é sustentado pelo Código de Ética Médica e proibições do Código Penal na questão da violação do sigilo profissional, contudo, o ponto mais importante está no preceito Constitucional da inviolabilidade da vida intima e privada do cidadão, contido no art. 5º, inciso X da Constituição Federal.

Considerar a implantação do TISS como simples medida administrativa é deixar de considerar o paciente como pessoa sujeito de direitos inalienáveis, especialmente em sua dignidade, fundamento Constitucional descrito no inciso III do art.1º da nossa Constituição.

O padrão de troca de informações desejado pela ANS poderia ser elaborado sem a exigência de indicação de nomes de pacientes, fato que cria a violação de direitos, mas antes de tudo a situação nos leva a perguntar a quem interessa. Os dados em questão acessados pelas prestadoras de serviços de saúde, muito além de gerar uma padrão rastreável para análise e correção de sistemas, pode gerar mais um item discriminatório na hora do particular procurar contratar novos planos para cobertura de doenças.

Em questão mais delicada está a situação do médico que muitas vezes no intuito de facilitar o tratamento ou acesso do paciente às terapias necessárias "deve" obedecer ao pronunciamento da ANS. Sem as devidas cautelas a situação poderá sujeitá-lo às conseqüências da infração do Código de Ética Médica, além de exposição ao perigo de futura ação de responsabilidade por violação da intimidade de seu paciente.

A validade, legalidade e constitucionalidade do TISS ainda está em discussão, o CREMESP promoveu ação civil pública questionando a legalidade do TISS, contudo, essa discussão aparentemente tão restrita ao médico, representa uma verdadeira luta pela cidadania e principalmente um esforço para se estabelecer quais são os princípios que devem reger essas atividades.

Fernando Pessoa Santin

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